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segunda-feira, junho 11, 2012

O Núcleo e os cromossomos


O NÚCLEO E OS CROMOSSOMOS

Maximiliano Mendes

As informações que possuímos em nossos computadores são armazenadas primordialmente nos discos rígidos (Hard Drives – HDs). Lá estão gravados os aplicativos mais importantes, como o sistema operacional, que permitem o funcionamento do dispositivo. Também sabemos que não é conveniente deixar o disco rígido descoberto ou desprotegido, pois ele pode sofrer danos, acumular poeira e passar por outros processos capazes de comprometer a integridade dos dados. Por isso, os HDs ficam protegidos no interior dos gabinetes, ou então, no caso dos HDs externos, são comercializados com coberturas plásticas, os cases, que lhes conferem proteção.



Nas células, o HD pode ser representado pelas moléculas de DNA, que por sua vez estão localizadas em um case, o envelope nuclear.

O núcleo é uma estrutura presente apenas nas células eucariontes, onde se encontra o DNA genômico (o material genético), organizado em cromossomos. As células procariontes não possuem núcleo, mas sim, um nucleoide, a região citoplasmática onde se localiza o cromossomo circular desses organismos. Visto que abriga o material genético, meio material no qual estão inscritas as informações biológicas/genéticas, se quisermos atribuir uma função ao núcleo, podemos considerá-lo como o centro controlador do metabolismo e do desenvolvimento celular.



ESTRUTURA DO NÚCLEO





  • Envelope nuclear ou carioteca: delimita o conteúdo do núcleo e o isola do citoplasma. A membrana da carioteca é contínua com a do retículo endoplasmático. Acredita-se que esse sistema membranoso pode ter surgido a partir de invaginações da membrana plasmática de uma célula procarionte ancestral. O interior do envelope nuclear, entre as duas membranas pode ser chamado de lúmen do envelope nuclear ou espaço perinuclear.
  • Poros: selecionam as substâncias que entram e saem do núcleo (proteínas, RNAs...). Há, nos poros, um complexo proteico chamado de complexo do poro que atua nesse controle.
  • Lâmina nuclear: constituída por filamentos proteicos do citoesqueleto (filamentos intermediários) que dão forma e suporte à carioteca e fornecem pontos de ancoragem aos cromossomos.
  • Nucléolo: sítio onde são sintetizados a maioria dos RNAs ribossômicos, rRNAs, e da montagem dos ribossomos. Pode se dizer que eles consistem em aglomerados de partículas ribossômicas em formação. Os ribossomos são formados de rRNAs e proteínas, são gerados no núcleo e podem sair dele através dos poros.
  • Cromatina: conjunto de cromossomos. Cada cromossomo é um filamento constituído de uma molécula de DNA associada à várias proteínas e, nas células, dependendo do estado e do tipo celular, os cromossomos podem ser encontrados em graus diversos de compactação ou condensação. Estima-se que, se toda a cromatina contida no núcleo das células humanas fosse esticada, mediria aproximadamente 2 m de comprimento.
  • Cariolinfa ou nucleoplasma: solução contendo diversas substâncias. Os outros componentes localizados no interior do envelope nuclear estão imersos no nucleoplasma.


Há outras estruturas dentro do núcleo, porém, as mencionadas acima são as principais. 

OS CROMOSSOMOS

Cada cromossomo é um filamento constituído de uma molécula de DNA linear associada a várias proteínas, dentre as quais, as histonas, que auxiliam no seu empacotamento ou condensação.





(*Além das histonas, outras duas classes importantes de proteínas constituintes dos cromossomos são as DNA-topoisomerases, que atuam no grau de torção ou relaxamento da estrutura helicoidal das duas cadeias de nucleotídeos, as coesinas, que atuam unindo cromátides irmãs e as condensinas, que atuam na condensação dos cromossomos. Não se costuma cobrar essas proteínas no ensino médio).

A importância dos cromossomos está primordialmente no fato de que as moléculas de DNA possuem os genes, as unidades que contêm as características informacionais e hereditárias. Utilizaremos uma definição simples de gene: sequência de nucleotídeos no DNA que especifica a sequência de aminoácidos de uma molécula de RNA, se for um mRNA, ele pode ser traduzido em uma proteína.



Estima-se que a espécie humana possua aproximadamente de 20000 a 22000 genes. Para efeitos de comparação, as pulgas d'água, pequenos crustáceos, parecem ser os animais com o maior número de genes, ~31000. A tabela abaixo mostra alguns dados comparativos sobre os genomas de alguns organismos. Compare com a espécie humana.


Organismo
Número diploide de cromossomos
Número de pares de bases
Número de genes
Referência
Mosca das frutas
8
1.65x108
13,600
Leveduras
16
12,462,637
6,275
Humanos
46
3.3 x 109
~21,000
Mitocôndria humana
-
16,569
13
Arroz
24
4.66 x 108
46,022 -55,615
Cachorro
78
2.4 x 109
~25,000
Rato
40
3.4 x 109
~23,000

Fonte: http://www.edinformatics.com/math_science/human_genome.htm

Nossa espécie possui em cada célula somática (= do corpo) 46 cromossomos. Esses 46 compõem dois conjuntos (n) de 23. Por isso, dizemos que somos uma espécie diploide, 2n. Já os nossos gametas, os espermatozoides e os óvulos/ovócitos II, possuem apenas um conjunto cromossômico, com 23, por isso são ditas haploides, n. Quando os dois gametas se unem para formar o zigoto, o novo indivíduo (ou a primeira célula do novo indivíduo), cada um traz seu conjunto de 23 cromossomos e, assim, o novo indivíduo apresenta os dois conjuntos, 2n = 46.

Também podemos dizer que uma célula ou organismo diploide é aquele cujos cromossomos estão presentes em pares. Cada um dos cromossomos constituintes de um par pertence a um conjunto cromossômico herdado do pai ou da mãe. E por que dizemos que esses cromossomos formam um par? Um par de cromossomos 1, por exemplo? Porque esses dois cromossomos do par são iguais, homólogos, mas iguais no sentido de que ambos possuem os mesmos genes na mesma ordem (possuem também o mesmo comprimento e o centrômero na mesma posição, veremos em breve o que é o centrômero).


Na imagem acima, os cromossomos estão mostrados no estado duplicado e condensado. É a forma como eles são representados normalmente. Veremos mais sobre isso adiante.

No tocante aos cromossomos sexuais X e y, que veremos adiante, nos tipos de cromossomos, eles apresentam apenas uma pequena região homóloga. No restante, são cromossomos que possuem genes diferentes.


As imagens acima representam os cromossomos X e y no estado de cromossomos simples, não duplicados, e as suas respectivas regiões que apresentam homologia, localizadas nas extremidades. Essas regiões são chamadas de pseudoautossômicas (PARs – Pseudoautosomal Regions). Imagem: https://en.wikipedia.org/wiki/Pseudoautosomal_region

Estrutura dos cromossomos:

Provavelmente você não entendeu bem essas figuras de cromossomos acima. Vejamos então a estrutura dos cromossomos duplicados e condensados, pois normalmente eles são representados dessa forma.

Antes de iniciar o processo de divisão celular ocorre a duplicação ou replicação do DNA, e, com isso, a duplicação dos cromossomos. O detalhe é que, após serem duplicados, os dois cromossomos filhos permanecem ligados por proteínas chamadas coesinas e a região estrangulada onde estão ligados é chamada de centrômero (apesar do nome, nem sempre essa região se encontra no centro). Como se não bastassem tantos detalhes, aqui vai mais um: quando ainda estão unidos após a replicação do DNA e durante a divisão celular, cada um dos dois novos cromossomos é chamado de cromátide (os dois são chamados cromátides irmãs).






Ainda é importante mencionar que as porções dos cromossomos que estão mais condensadas (mais enroladas) antes desse processo de condensação que ocorre como preparação para a divisão celular, são inativas: os genes localizados nessas porções não são transcritos. Damos a essas porções o nome de heterocromatina. Já às porções menos condensadas e ativas, cujos genes podem ser transcritos, damos o nome de eucromatina.








Possuímos vários tipos celulares diferenciados e vários tecidos, mas apesar das diferenças, as células têm o mesmo genoma. As diferenças são devidas aos genes que são expressos ou não, em outras palavras, a porção da cromatina que corresponde à heterocromatina (condensada) e eucromatina (frouxa) varia entre os tipos celulares.



Tipos de cromossomos:

Podemos agrupá-los em dois grupos:

Os autossomos são os cromossomos presentes igualmente no homem e na mulher. Têm “nomes de números”: cromossomos 1 ao 22. Como a nossa espécie é diploide, possuímos dois de cada autossomo, então temos 22 pares ou 44 autossomos ao todo em cada célula somática, dois cromossomos 1, dois do 2, dois do 3 e assim sucessivamente até o 22.

Os cromossomos sexuais ou heterocromossomos formam um par que difere no homem e na mulher.

  • Mulheres: possuem dois cromossomos iguais, chamados de X. São XX.
  • Homens: possuem em seu par sexual, um cromossomo X e um y. São Xy.


Esses cromossomos têm genes/informações relacionados à diferenciação entre os sexos e, como já mencionado, no caso dos homens a homologia entre os cromossomos desse par é incompleta, pois o cromossomo Y é menor que o X.


Cariótipo feminino da espécie humana. Cariótipo é o número e o aspecto dos cromossomos no núcleo. Também pode ser o conjunto completo dos cromossomos de um organismo. Imagem:

Em nossa espécie, há um mecanismo capaz de condensar e inativar a maior parte dos genes de um dos cromossomos X quando há mais de um presente. Esses cromossomos X condensados são chamados corpúsculos de Barr ou cromatina sexual. Aparentemente, a razão para isso é que, ao contrário dos autossomos, é preciso apenas um cromossomo X com os seus genes ativos nas células, assim, um dos cromossomos X nas mulheres, ou em quem quer que tenha dois ou mais cromossomos X (como os portadores da síndrome de Klinefelter), é em grande parte condensado e inativado de forma a compensar a presença em dose dupla dos genes localizados no DNA do outro cromossomo X. Um bom exemplo para se perceber essa inativação de um dos cromossomos X são as gatas Calico, nas quais se pode ver áreas com pelos de três cores distintas: branco, preto e marrom. As cores preta e marrom são determinadas por genes localizados nos cromossomos X. Então, dependendo de qual cromossomo X for inativado, por conta do gene que ele possui, a cor no local será preta ou marrom. Já a cor branca é determinada por genes localizados nos autossomos.


Consideramos que, de maneira simplificada, para haver o desenvolvimento de sistema genital masculino é necessário haver o cromossomo y, pois ele possui um gene chamado sry: região determinadora de sexo do Y. sry determina que haja a formação dos testículos, que, por sua vez, produzem testosterona, induzindo o desenvolvimento masculino. Caso esteja ausente ou haja algum tipo de problema, ocorre o desenvolvimento dos ovários ou os testículos não completam o desenvolvimento. Na verdade, esse gene sry é apenas um dos vários que estão envolvidos no desenvolvimento de uma pessoa do sexo masculino com os órgãos genitais completos e funcionais. 

E de curiosidade: já se mapeou, no cromossomo X, aproximadamente 150 genes que podem estar associados às desordens cognitivas. Como os homens têm apenas um cromossomo X, eles são mais vulneráveis a ter esses tipos de problemas, tendo em vista que só apresentam uma cópia do gene. Se a cópia que possuem apresenta defeitos, não existe outra cópia em outro cromossomo X para compensar (pelo mesmo motivo, a incidência de hemofilia e daltonismo nos homens é bem mais alta que nas mulheres). 

Aberrações cromossômicas:

Estruturais: alterações na estrutura de um ou mais cromossomos. Exemplo: síndrome do miado do gato (cri-du-chat), consiste em deleção (perda de parte) do cromossomo 5 e tem como sintoma principal o fato de que os recém-nascidos acometidos choram em um tom alto que se assemelha ao miado de um gato.

Numéricas: alteração do número de cromossomos. Os tipos de alterações numéricas são:

Poliploidias: alterações no grau de ploidia do organismo. Por exemplo, haver o surgimento de um organismo 3n em uma espécie 2n. Uma das causas possíveis é de haver mais de um gameta masculino fertilizando um feminino (um evento raro). Geralmente, em animais, esse tipo de organismo morre antes de completar o seu desenvolvimento embrionário. Acredita-se que aproximadamente 5 % dos abortos espontâneos em nossa espécie aconteçam devido a isso. Porém, no que diz respeito às plantas, a poliploidia não costuma gerar problemas, ao contrário, pode promover a especiação e o aumento da produção.

Aneuploidias: alterações no número de um ou mais cromossomos. Por exemplo, humanos gerados com 47 ou 45 cromossomos ao invés dos 46, que é o número diploide da espécie. As aneuploidias podem ser causadas pela não disjunção, que é um erro na separação dos cromossomos homólogos ou das cromátides irmãs durante os processos de divisão celular (mitose e meiose), de forma que, por conta desse erro, há a geração de células filhas com cromossomos a mais ou a menos. Se a não disjunção ocorrer durante a meiose, que é o processo de divisão celular responsável pela geração dos gametas, alguns deles poderão apresentar aneuploidias e gerar indivíduos portadores de síndromes cromossômicas, caso sejam fertilizados.


Note que quando o erro de não-disjunção ocorre na meiose 1, todos os gametas apresentarão algum tipo de problema.

Exemplos de aneuploidias (na verdade, as aneuploidias são as causas mais comuns e frequentes para as síndromes a seguir):

Síndrome de Down: trissomia do cromossomo 21. Indivíduos que possuem três ao invés de dois cromossomos 21. Dentre os sintomas podemos citar: deficiência cognitiva, problemas cardíacos, uma única prega nas palmas das mãos, fissuras palpebrais oblíquas (olhos puxados) e etc. Os indivíduos podem ser do sexo feminino ou masculino, visto que é uma trissomia autossômica. Atualmente se prefere utilizar o termo deficiência cognitiva ao invés de retardo mental.

É comum ler nos livros didáticos que a deficiência cognitiva é um dos sintomas de várias dessas aneuploidias, porém, na verdade, para certos casos, como é o da síndrome de Turner que veremos a seguir, a coisa não é bem assim. Ocorre que, hoje em dia, o QI médio é de aproximadamente 100 e se considera que a pessoa tenha deficiência caso tenha um QI inferior a 70. Os indivíduos com síndrome de Down possuem QI por volta de 50 – 60. Porém, pessoas com QI de 50 a 70, podem viver independentemente, caso recebam a devida assistência. Não são gênios, mas conseguem trabalhar e conviver em sociedade, pois não são pessoas com deficiências intelectuais extremas. Mas, por marcarem 70 ou menos em testes de QI, podem ser classificadas em certos textos como sendo deficientes.

Síndrome de Turner: é uma monossomia. Ao invés de possuírem um par de cromossomos sexuais, os indivíduos possuem apenas um cromossomo X, são ditos X0. Como não possuem cromossomo Y, são mulheres. Dentre os sintomas podemos citar: baixa estatura, infertilidade e pescoço alado (possui pregas de pele ao lado do pescoço). O pescoço alado pode ser reparado com cirurgia. Não se diz mais que as pessoas com síndrome de Turner possuem retardo mental ou deficiência intelectual, porém, algumas indivíduas podem ter dificuldades no âmbito da matemática.

Síndrome de Klinefelter: é uma trissomia. São homens que possuem dois cromossomos X e um Y (XXY). Dentre os sintomas: infertilidade, baixa produção de testosterona, cintura mais larga e etc. Podem apresentar dificuldades no âmbito verbal, então, por conta disso, pode se dizer que os indivíduos acometidos por essa síndrome podem ter deficiência intelectual. Também é possível considerar que alguns indivíduos portadores dessa síndrome são intersexuais (ou pseudo-hermafroditas, mais sobre isso logo em seguida).

Há outros tipos de aneuploidias, como as síndromes de Patau (trissomia do 13) e de Edwards (trissomia do 18), ambas com efeitos bem danosos.

Adendo: e os hermafroditas?

Bem, em princípio, um organismo hermafrodita é aquele que possui as gônadas masculinas e femininas funcionais, ou seja, pode produzir, mesmo que em momentos diferentes, os gametas masculinos e femininos (algumas definições são mais abrangentes). Na espécie humana, aparentemente isso não ocorre: as gônadas podem ser malformadas, ou só uma ser funcional, ou se pode encontrar uma massa de tecidos masculinos e femininos chamada ovotestis. Além disso, a genitália é ambígua. Sendo assim, é preferível utilizar o termo pseudo-hermafrodita ou intersexual.

Dentre as diversas causas possíveis a mais comum é a hiperplasia congênita adrenal. É uma desordem hormonal na qual os embriões XX, que normalmente se desenvolveriam em mulheres, têm as suas glândulas adrenais produzindo grandes quantidades de hormônios masculinizantes durante o desenvolvimento embrionário, como a testosterona. Pode ser detectada em exames pré-natais e se for o caso, inicia-se o tratamento logo após o nascimento.

Outras causas podem ser, por exemplo, a incapacidade de as células de um embrião Xy reconhecerem os hormônios andrógenos masculinizantes.

REFERÊNCIAS:

Campbell, Reece et al. Biologia. 8ª ed. Artmed. 2010.
Catani et al. Ser Protagonista – Biologia. Vol. 1. Edições SM. 2009.
Alberts et al. Molecular Biology of the Cell. 5th ed. Garland Science. 2008.
Amabis & Martho. Biologia das Células. 3ª ed. Moderna. 2010.
Nelson & Cox. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6ª ed. Artmed. 2014.

Na internet:

https://phys.org/news/2011-02-crustacean-genome-sequenced.html
https://blogs.scientificamerican.com/artful-amoeba/for-plants-polyploidy-is-not-a-four-letter-word/
https://en.wikipedia.org/wiki/Nondisjunction
Stevenson, R. E., & Schwartz, C. E. (2009). X-linked intellectual disability: Unique vulnerability of the male genome. Developmental Disabilities Research Reviews, 15(4), 361-368.
https://ghr.nlm.nih.gov/condition/klinefelter-syndrome
https://ghr.nlm.nih.gov/condition/turner-syndrome
http://en.wikipedia.org/wiki/Intersex (Nesse tem muitas informações sobre os intersexuais e inclusive uma tabela resumindo as várias causas possíveis).
https://en.wikipedia.org/wiki/Pseudoautosomal_region

Nesse vídeo o Dr. Dráuzio Varella explica as ações dos genes na formação dos sexos. Não concordo com tudo, mas a parte dos genes e suas ações é muito boa: https://www.youtube.com/watch?v=KNRHPnu8uM4