Translate

terça-feira, julho 21, 2015

BIOTECNOLOGIA

BIOTECNOLOGIA 

Maximiliano Mendes

A biotecnologia é um campo de estudos multidisciplinar que combina os conhecimentos obtidos a partir da pesquisa empírica com os agentes biológicos, como os organismos, células, organelas e moléculas, a fim de produzir bens e serviços. Por exemplo:

  • Obtenção de produtos que promovam a saúde humana ou animal. Ex: produção de insulina e hormônio de crescimento humanos em bactérias geneticamente modificadas.
  • Modificar organismos (micro-organismos, plantas ou animais) para que sejam utilizados com fins específicos. Ex: desenvolvimento de micro-organismos capazes de atuar na recuperação de ambientes.
  • Desenvolver novos processos industriais. Ex: pesquisas com o intuito de se obter glicose para a fermentação a partir da celulose das células da cana de açúcar, mas em nível industrial, o que pode aumentar a produção de álcool combustível.




Nesse resumo veremos algumas das técnicas e aplicações utilizadas na biotecnologia contemporânea, porém, é bom destacar que a biotecnologia nasceu talvez há 8.000 anos, quando o homem aprendeu a produzir vinhos e pães, mesmo sem ter qualquer noção de microbiologia, biologia molecular e metabolismo energético. Os procedimentos de biotecnologia vêm então sendo utilizados pela humanidade desde então, na produção de bens, seleção de rebanhos e etc. Abaixo se pode ver uma linha do tempo mostrando algumas descobertas de importância para a biotecnologia.

Na tabela abaixo estão destacados alguns processos biotecnológicos ou descobertas de interesse para a biotecnologia e quando foram descobertos. Modificada de Bruno et al. 2014.
Data
Processo / Descoberta
6000 a.C. – 2000 a.C.
Fermentação de grãos e cereais.
1675
Anton Van Leeuwenhoek observa micro-organismos com um microscópio simples.
1876
Louis Pasteur descobre que as leveduras são os micro-organismos responsáveis pela fermentação.
1928
Alexander Fleming descobre a penicilina.
1940
Fermentação industrial.
1953
Descobre-se a estrutura das moléculas de DNA.
1973
Início da engenharia genética.
1981
Primeira planta transgênica.
1996
Clonagem da ovelha Dolly.
2003
Projeto genoma humano completo.

Atualmente se executam nos laboratórios uma miríade de procedimentos que podemos considerar como dentro do âmbito da biotecnologia: desde preparar uma lâmina para observar algum material no microscópio até centrifugar uma amostra biológica com vistas a purificar algum componente. Porém, nosso interesse e foco aqui, serão as tecnologias de manipulação do DNA, como a tecnologia do DNA recombinante, que objetiva mesclar fragmentos de moléculas de DNA distintas, podendo ser, inclusive, de diferentes organismos, gerando DNAs recombinantes. Vejamos a seguir, algumas técnicas, ferramentas e procedimentos de destaque:

Enzimas de restrição

Uma das ferramentas mais utilizadas para se gerar moléculas de DNAs recombinantes são as chamadas enzimas de restrição (ou endonucleases de restrição), enzimas proteicas encontradas em bactérias e arqueas, descobertas no final dos anos 1960 e cuja função básica é restringir as infecções virais: essas enzimas são capazes de quebrar moléculas de DNA em sequências palindrômicas específicas (ver figura adiante). As bactérias e arqueas conseguem proteger suas moléculas de DNA da ação dessas enzimas ao adicionarem radicais metila, -CH3 em citosinas e adeninas na sequência palindrômica alvo da enzima. A figura a seguir mostra como uma dessas enzimas, a Eco RI, de Escherichia coli pode atuar.


Nos pontos de corte das moléculas de DNA, podem ser inserido outros fragmentos, contendo genes de interesse, como veremos posteriormente aqui.


Eletroforese

A eletroforese é uma técnica que permite separar fragmentos de DNA, como os gerados pelas enzimas de restrição (também é possível separar proteínas com essa técnica). A ideia básica é a seguinte: fazer os diversos fragmentos migrarem ao longo de um gel imerso em uma solução, após posicionar esses fragmentos em uma das extremidades do gel. Esse gel possui poros, como se fosse uma esponja, por isso permite a migração de moléculas ao longo dele. Para fazer com que os fragmentos de DNA migrem, basta submeter esse conjunto a um campo elétrico, de forma que o polo negativo corresponda à extremidade onde se colocam os fragmentos de DNA, que são naturalmente negativamente carregados, para que eles migrem em direção a extremidade oposta, o polo positivo.

Os fragmentos podem ser separados, pois, dependendo do tamanho, migrarão em velocidades distintas ao longo do gel: os menores migram mais rapidamente e ao término do procedimento estão mais próximos do polo positivo, os maiores migram mais lentamente e terminam mais distantes do polo positivo. A figura a seguir resume o procedimento.

OBS: nessa imagem os retângulos vermelhos, chamados bandas, não representam uma molécula ou fragmento de DNA, mas sim, um conjunto de fragmentos ou moléculas. As amostras contêm fragmentos de tamanhos diversos, já as bandas separadas contêm vários fragmentos do mesmo tamanho.

Os retângulos contendo fragmentos de DNA de mesmo tamanho são chamados bandas. Para observar as bandas é necessário aplicar às amostras uma substância chamada brometo de etídio (carcinogênica!), que se liga ao DNA e emite luz se for irradiado com raios UV (também carcinogênicos!).

Essa técnica é usada em diversos procedimentos em biotecnologia e biologia molecular. Por exemplo, ela permite identificar pessoas, seja para investigações criminais ou para processos judiciais como os de confirmação de paternidade. Como? O DNA humano apresenta sequências curtas, de 9 a 80 pares de bases, chamadas VNTR – Número variável de repetições em sequência (Variable Number of Tandem Repeats). Essas sequências variam em número de repetições de pessoa para pessoa e também podem variar entre dois cromossomos homólogos de uma mesma pessoa. Por exemplo, um indivíduo pode ter em um de seus cromossomos uma VNTR com quatro repetições e no homólogo, na posição equivalente, a VNTR pode ter seis. Ou então, outro indivíduo pode ter duas VNTR na mesma posição nos dois homólogos e ainda, um terceiro ter três VNTR na mesma posição nos dois homólogos. Com essas diferenças em mente, ao se digerir o DNA de uma amostra qualquer com uma enzima de restrição que atue delimitando as VNTRs, obtêm-se fragmentos de tamanhos diversos, que podem ser comparados ao se analisar o padrão de bandas dessas amostras após utilizar o processo de eletroforese para separar os fragmentos. Como o nome indica, essas sequências são muito variáveis e, por conta disso, dificilmente dois indivíduos não aparentados apresentarão as mesmas, então, normalmente o grau de confiabilidade desses testes é muito alto, com uma precisão acima de 99 %. Veja a figura abaixo.



Clonagem molecular

A clonagem de sequências de DNA consiste em gerar várias cópias de uma mesma sequência ou fragmento de molécula de DNA, que inclusive pode conter um gene. Uma forma de se fazer isso é gerar uma molécula de DNA recombinante e inseri-la em uma bactéria para que seja multiplicada (clonada) ou algum produto gênico seja produzido.

A técnica básica consiste em utilizar uma enzima de restrição para cortar um plasmídeo bacteriano e a molécula de DNA que contém o gene que se quer clonar. Esses plasmídeos são chamados de vetores de clonagem. Os genes de interesse podem então ser ligados aos plasmídeos vetores e, uma vez inseridos nas bactérias, esses plasmídeos serão multiplicados (inclusive na medida em que as bactérias se multiplicam), gerando vários clones com os genes de interesse. Veja as imagens abaixo:

Esse é o plasmídeo vetor:


O plasmídeo vetor sofre a ação da enzima de restrição:



A molécula de DNA onde está o fragmento de interesse também deve sofrer a ação do mesmo tipo de enzima de restrição, de forma que o corte se dê na mesma sequência alvo e gere extremidades coesivas.


Enfim, o fragmento de DNA de interesse é inserido no plasmídeo vetor.



Os plasmídeos recombinantes podem ser inseridos nas bactérias graças ao processo de transformação (lembre-se de que as bactérias podem receber moléculas de DNA exógenas por transformação, conjugação ou transdução). O método empregado para se fazer isso é a eletroporação, que consiste em aplicar um pulso elétrico na solução, criando poros nas células por onde os plasmídeos podem entrar.

Observando de novo a figura do plasmídeo onde o gene de interesse será incluído, note que é muito útil, em se tratando do processo de clonagem com o uso de Escherichia coli, que os plasmídeos vetores tenham um gene que confira resistência contra algum antibiótico, como o gene ampR, que confere resistência contra o antibiótico ampicilina e, assim, permite que apenas as bactérias que adquiriram o plasmídeo vetor recombinante possam crescer em um meio de cultura contendo esse antibiótico. A ideia é eliminar as bactérias que não captaram o plasmídeo vetor, pois elas não geram o produto de interesse e consomem os recursos do meio de cultura.

Outro gene de interesse, que convém estar presente em um plasmídeo vetor é o LacZ, que codifica  a enzima beta-galactosidase. Essa enzima permite às bactérias hidrolisarem o dissacarídeo lactose, ou uma substância sintética chamada X-gal. Nesse segundo caso, a hidrólise gera um produto azul de fácil detecção. Novamente, o objetivo é selecionar apenas as bactérias de interesse, pois a ideia é que o sítio da enzima de restrição esteja localizado no meio do gene LacZ, de forma que  quando o gene de interesse é inserido nesse local, o gene da LacZ é interrompido e deixa de ser funcional. Além disso, as E. coli utilizadas nesse tipo de procedimento têm o gene LacZ defeituoso. Assim, as colônias de bactérias que receberam o plasmídeo vetor recombinante contendo o gene de interesse são as que não apresentarem cor azul.

Ainda, é desejável que antes do sítio da enzima de restrição, onde o gene será inserido, o plasmídeo vetor tenha um promotor muito ativo, de forma a promover a expressão do gene e a obtenção de seu produto (lembre-se de que o promotor é a sequência onde o complexo enzimático RNA polimerase se liga para iniciar a transcrição gênica). Também, é preferível, no caso da clonagem em bactérias, que o gene clonado tenha sido obtido de um cDNA (veremos mais sobre eles adiante), pois caso o gene contenha íntrons, não serão processados adequadamente pelas células bacterianas, visto que elas não possuem a maquinaria necessária para retirá-los.

Tendo em vista essas limitações, em biotecnologia, além das bactérias, também se podem utilizar leveduras, que apresentam algumas vantagens: também podem ser cultivadas com facilidade, possuem plasmídeos, são capazes de processar pré mRNAs contendo íntrons e efetuar processamento pós traducional. Para a clonagem em leveduras podem se utilizar plasmídeos ou cromossomos artificiais de leveduras (chamados YACs – Yeast Artificial Chromosomes). Os DNAs recombinantes também podem ser inseridos nas leveduras por eletroporação.

Bibliotecas de DNA e hibridização de ácidos nucleicos

Com o plasmídeo vetor inserido em bactérias, como fazer para selecionar os clones que contêm o gene de interesse em meio a tantos outros? O primeiro passo é construir uma biblioteca de DNA, que contém diversos plasmídeos recombinantes distintos com diversos fragmentos de restrição. Veja a sequência de imagens a seguir:

Primeiro são gerados os fragmentos de restrição:




Os fragmentos são inseridos em plasmídeos vetores:


Por fim, esses plasmídeos são inseridos em bactérias, que multiplicam a si e aos plasmídeos: é a biblioteca.


Outro tipo de biblioteca é a de DNA complementar (cDNA). Nesse caso, extrai-se mRNA das células e com o uso de transcriptases reversas se obtêm cDNAs. Note que esse tipo de biblioteca representa apenas parte do genoma, pois não contém os íntrons. Esses cDNAs devem ser modificados com a adição de sequências contendo sítios de restrição em ambas as extremidades, de modo que possam então ser inseridos em vetores diversos, como os plasmídeos que estamos exemplificando. Porém, existem outros tipos de vetores, como o DNA dos vírus bacteriófagos e os cromossomos bacterianos artificiais (que são plasmídeos enormes). A figura abaixo resume o procedimento, compare os comprimentos dos cDNAs (sem íntrons) com os dos genes originais:



Enfim, para detectar o gene de interesse no DNA de um clone bacteriano é possível usar a técnica de Southern Blot. O procedimento básico consiste em separar fragmentos de restrição por eletroforese e detectar aqueles de interesse ao permitir que sequências de DNA cadeia simples chamadas sondas, cuja sequência de bases é complementar ao nosso gene de interesse venham a se ligar a eles por conta da complementariedade das bases nitrogenadas. Os passos do procedimento básico são os seguintes:

  1. Obtêm-se fragmentos de restrição a partir das moléculas de DNA que se quer investigar (descobrir onde está o gene de interesse).
  2. Separam-se os fragmentos de restrição de diferentes tamanhos por eletroforese em gel.
  3. As cadeias de DNA são separadas/desnaturadas ao se submeter o gel à uma solução alcalina de NaOH.
  4. Comprime-se uma folha de nitrocelulose (negativamente carregada) no gel de forma que alguns fragmentos de restrição desnaturados irão se ligar nessa folha. Outros tratamentos, como o aquecimento, são necessários para que o DNA se fixe adequadamente.
  5. Incuba-se a membrana de nitrocelulose com os fragmentos de restrição de cadeia simples, aderidos, em uma solução contendo as sondas de cadeia simples para que elas possam se hibridizar, ou seja, ligarem-se de acordo com a complementariedade das bases nitrogenadas. Note que é necessário que saibamos pelo menos parte da sequência de DNA do gene ou do seu mRNA, para que possa haver essa ligação. As sondas podem ser marcadas com isótopos radioativos, substâncias fluorescentes, ou enzimas capazes de gerar produtos fluorescentes para que se possam detectar os clones com maior facilidade.
  6. Por fim, para saber quais são os fragmentos de restrição contendo o gene procurado (e assim, quais bactérias possuem os clones de interesse) observa-se em quais bandas de fragmentos de restrição separados houve a ligação das sondas marcadas. Isso pode ser feito, por exemplo, caso se tenha usado sondas marcadas com materiais fluorescentes ou radioativos, expondo-se a membrana de nitrocelulose aos raios-X.


A figura abaixo resume o processo.



Organismos transgênicos

Um organismo que tem algum gene ou fragmento de DNA de outro organismo distinto, inserido em seu genoma é chamado transgênico. Se é possível inserir um gene de um organismo distinto, como um humano, em uma bactéria, por que não ir adiante e tentar inserir genes nos genomas de outros tipos de organismos, mais complexos, como plantas e animais?

É possível obter mamíferos transgênicos ao se inserir o fragmento de DNA de interesse no núcleo de uma célula ovo que esteja sendo fertilizada in vitro. A primeira etapa desse método é iniciar a fertilização in vitro de uma célula ovo e, durante o processo, inserir os fragmentos de DNA de interesse no pronúcleo masculino. Alguns dos fragmentos de DNA de interesse serão inseridos no DNA cromossomal desse pronúcleo, gerando moléculas de DNA recombinante. Posteriormente, implantam-se os embriões no útero de uma fêmea e, assim, obtêm-se os animais transgênicos, capazes de produzir algum produto gênico de interesse.



Para se originar uma planta transgênica, uma possibilidade é inserir os fragmentos de DNA de interesse em um plasmídeo chamado Ti (indutor de tumor) da bactéria Agrobacterium tumefaciens. Essas bactérias são capazes de inserir o plasmídeo Ti no interior das células das plantas e ele possui uma região capaz de se inserir no DNA cromossomal, transformar a célula e gerar um tumor. Dessa forma são geradas várias células com o gene de interesse que podem ser isoladas e cultivadas em cultura, desenvolvendo-se em plantas transgênicas.


Outra forma é a chamada biobalística, na qual se aderem os fragmentos de DNA de interesse em microesferas de ouro. Essas esferas são disparadas, literalmente, no interior da célula e assim, os fragmentos de DNA podem se inserir no genoma da célula vegetal.



Uma grande facilidade em se trabalhar com os vegetais, nesse âmbito, é que é possível gerar uma planta completa a partir de uma ou poucas células vegetais transgênicas. Já com as células animais, esse procedimento não é possível.

Os procedimentos de geração de organismos transgênicos geram diversas discussões controversas, pois, se por um lado um OGM pode gerar mais de um produto de interesse comercial e até, em tese, diminuir os custos, mas por outro, como estimar quais são os possíveis impactos ambientais que os OGM podem ter? Acredita-se que em alguns casos, os OGM possam ter o metabolismo alterado no sentido de produzir mais de alguma substância tóxica ou que nos cause alergias. Quais populações terão acesso aos produtos? A técnica vai promover o bem estar geral ou acentuar as desigualdades socioeconômicas? São questões ainda não resolvidas.

A reação em cadeia da polimerase - PCR

A PCR é uma técnica criada em 1985, que permite multiplicar fragmentos de DNA rapidamente. Tanto a PCR quanto a clonagem permitem multiplicar fragmentos de DNA, porém, a PCR é mais rápida que a clonagem e mais adequada para as situações nas quais uma amostra é impura ou contém poucas quantidades do DNA de interesse a ser amplificado, como por exemplo, DNA retirado de cenas de crime ou DNA de organismos mortos há muito tempo. Com o uso da PCR se pode então identificar amostras de DNA de suspeitos de crimes, confirmar se alguém está infectado por algum vírus, identificar se determinada amostra de DNA pertence a uma determinada espécie de organismo, amplificar um gene de interesse e etc.

De maneira resumida, a técnica consiste na repetição das seguintes etapas:

  1. A mistura contendo os fragmentos de DNA que se deseja amplificar deve ser aquecida até 94° - 96° C, para desnaturar as cadeias de DNA. Nesse caso, a desnaturação consiste na quebra das ligações de hidrogênio que unem as duas cadeias, separando-as. Essa mistura contém também alguns fragmentos curtos de DNA de cadeia simples chamados de iniciadores (ou primers). Os iniciadores possuem uma sequência de nucleotídeos complementar às extremidades do DNA que se quer amplificar (que deve ser conhecido, pelo menos em parte).
  2. Em seguida a mistura é resfriada até uma temperatura que permita haver a ligação ou anelamento dos iniciadores de cadeia simples, graças à complementariedade de bases, nas extremidades do DNA que se quer amplificar. Essa temperatura pode ser de aproximadamente 50° - 60° C.
  3. Por fim, a temperatura é novamente elevada e uma DNA polimerase extraída da bactéria Thermus aquaticus cuja temperatura ótima de atividade é por volta de 70° C utiliza as extremidades 3’-OH providas pelos iniciadores ligados para sintetizar novas cadeias de DNA. Ao término, cada molécula de DNA foi duplicada.





Dessa forma, cada ciclo tem o potencial de dobrar a quantidade de DNA de interesse presente em uma amostra, podendo se obter milhões de fragmentos em poucas horas.

O sequenciamento de genomas

O sequenciamento consiste em decifrar a sequencia completa de todos os pares de bases (pb) de um determinado genoma. O primeiro genoma completamente sequenciado foi o da bactéria Haemophilus influenzae em 1995 e hoje em dia há vários outros genomas sequenciados, inclusive os três bilhões de pb do nosso genoma graças ao projeto genoma humano, completo em 2003. A técnica de sequenciamento básica existe desde 1980 e é chamada de método de terminação da cadeia com didesorribonucleotídeos (ou método de Sanger). Esse método consiste em se gerar fragmentos de restrição e elucidar a sequência de nucleotídeos deles de acordo com os seguintes passos:

  1. Desnatura-se o fragmento em cadeias simples e eles são adicionados em uma solução contendo oligonucleotídeos iniciadores, DNAs polimerases, os desoxirribonucleotídeos componentes das cadeias de DNA (dATP, dCTP, dTTP e dGTP) e nucleotídeos sintéticos chamados didesoxirribonucleotídeos marcados com substâncias fluorescentes para que sejam detectados facilmente. As DNAs polimerases na solução iniciam a síntese de cadeias de DNA com os monômeros disponíveis.
    • A ideia é que cada base nitrogenada presente em um didesoxirribonucleotídeo emita fluorescência de cor diferente. Esses didesoxirribonucleotídeos não possuem nenhum grupo hidroxila (-OH) na pentose, de forma que, sem uma hidroxila, a DNA polimerase não pode continuar a síntese da cadeia de nucleotídeos. Assim, os didesoxirribonucleotídeos terminam a cadeia e geram fragmentos de tamanhos diversos, que emitem luz fluorescente.
  2. Separam-se os fragmentos utilizando o processo de eletroforese, mas em gel de poliacrilamida (ao invés da agarose, comumente usada para o DNA), pois esse gel forma poros menores e permite separar fragmentos menores e com maior precisão.
  3. A sequência do fragmento de DNA é decifrada ao se observar a sequencia dos pedaços formados de baixo para cima, ou em outras palavras, os fragmentos menores passam primeiro e os maiores por último. Cada fragmento detectado emite luz fluorescente de uma cor diferente, correspondente à sua base nitrogenada.




Clonagem de animais

Talvez a técnica mais conhecida para se gerar clones de animais adultos, como foi o caso da ovelha Dolly em 1997, é o transplante nuclear. Nesse caso, inicialmente obtêm-se uma célula adulta do indivíduo que se quer clonar e um ovócito de outra ovelha.  Em seguida, retira-se o núcleo do ovócito e se aplicam pulsos elétricos para fundir as duas células. Dessa forma, obtém-se um ovócito contendo o núcleo (e outros componentes celulares) da célula adulta originária do indivíduo que se quer clonar. Depois, aplicam-se mais pulsos elétricos para promover as divisões desse ovócito. Caso gere um embrião, ele será implantado no útero de uma terceira ovelha (“mãe de aluguel”), podendo continuar o seu desenvolvimento e chegar à idade adulta.


É interessante notar que os animais clonados a partir do uso desse método podem vir a apresentar diversos problemas de saúde, pois além da célula ovo receber componentes citoplasmáticos de uma célula adulta, já diferenciada, também recebe material genético que já sofreu mudanças epigenéticas e tem genes inativados.

Assim como nos casos dos organismos geneticamente modificados, a clonagem também gera discussões, pois, se por um lado os clones de algum animal poderiam ter grandes vantagens e se multiplicarem, produzindo mais, por outro, a população de clones perde em variabilidade genética e se torna mais suscetível às adversidades ambientais. Ainda há a discussão sobre a clonagem de humanos, para quê e para quem? De novo, são questões não resolvidas. 

Adendos:

A edição gênica com CRISPR-Cas9

Uma técnica recente que tem sido amplamente utilizada na expressão de genes heterólogos em diversos tipos de organismos, inclusive animais, e tem facilitado muito esse tipo de trabalho é a que utiliza o sistema bacteriano chamado CRISPR-Cas9 (de repetições palindrômicas curtas, agrupadas e interespaçadas regularmente, em associação com a endonuclease 9).

O termo CRISPR se refere a uma região no DNA cromossomal dos procariontes onde se localizam sequências de DNA de procedência viral (as sequências espaçadas regularmente). É um registro dos vírus que já infectaram as linhagens dessas células, mas cujas moléculas de DNA foram cortadas e alguns fragmentos foram inseridos nessa região. Essas informações são usadas em uma espécie de sistema de defesa imunitária das bactérias que emprega endonucleases de restrição, enzimas capazes de cortar moléculas de DNA em sequências palindrômicas específicas.

As Cas (CRISPR Associated) são endonucleases de restrição cujos genes se localizam em um operon nas proximidades de CRISPR. As Cas9, por exemplo, formam um complexo com uma molécula de RNA guia ou rastreadora, sendo que essa molécula de RNA provém de alguma sequência CRISPR e é usada no reconhecimento e corte de moléculas de DNA virais. Ao ser infectada por um vírus, a célula procarionte produz os complexos CRISPR/Cas9 com o RNA guia de sequência complementar a uma região do material genético viral. Após o reconhecimento e interação entre as cadeias de RNA associada a Cas9 e o material genético viral, Cas9 corta o ácido nucleico viral, impedindo a infecção.

No âmbito da biotecnologia, a ideia é usar uma molécula de RNA guia (sintetizada artificialmente) imitando os transcritos CRISPR e que, associada à endonuclease Cas9, pode se ligar na molécula de DNA alvo no ponto específico que se quer cortar. A partir do corte, pode se inserir novas sequências de DNA na molécula alvo, como um gene, ou então os mecanismos de reparo das células podem inserir ou deletar (retirar) sequências de nucleotídeos de forma a inativar um gene. Já foram efetuadas até modificações em embriões humanos com o uso dessa técnica.


A endonuclease Cas 9 (azul claro) com um RNA guia, que pode ser procedente das sequências CRISPR ou então, manipulado, de maneira a reconhecer, por conta da complementariedade de bases, uma sequência em uma molécula de DNA alvo. Uma vez havendo o reconhecimento, a molécula alvo é cortada e no ponto de corte podem ser inseridos genes de interesse. Imagem: http://cen.acs.org/articles/92/i39/Patent-Picks-CRISPRCas9-Gene-Editing.html



Referências

Amabis & Martho. Fundamentos da Biologia Moderna. 4ª ed. Moderna. 2006.
Bruno, NA. et al. Biotecnologia I: Princípios e Métodos. Artmed. 2014.
Campbell, Reece et al. Biologia. 8ª ed. Artmed. 2010.
http://biotechlearn.org.nz/focus_stories/transgenic_cows/making_a_transgenic_animal
https://www.labmate-online.com/news/news-and-views/5/breaking-news/the-pros-and-cons-of-genetically-modified-organisms-gmos/31400
http://www.genetica.esalq.usp.br/pub/seminar/BMLima-200901-Resumo.pdfhttp://learn.genetics.utah.edu/content/labs/gel/
http://en.wikipedia.org/wiki/Recombinant_DNA
http://en.wikipedia.org/wiki/Restriction_enzyme
https://en.wikipedia.org/wiki/DNA_profiling
http://www.nature.com/scitable/definition/polymerase-chain-reaction-pcr-110
http://en.wikipedia.org/wiki/Polymerase_chain_reaction
http://en.wikipedia.org/wiki/Whole_genome_sequencing
http://www.sumanasinc.com/webcontent/animations/content/paternitytesting.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Southern_blot
http://www.bio.davidson.edu/genomics/method/Southernblot.html
http://croptechnology.unl.edu/animation/GeneGun.swf
http://www.scq.ubc.ca/plant-breeding-versus-plant-genetics/
http://learn.genetics.utah.edu/content/cloning/clonezone/
http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/uma-ferramenta-para-editar-o-dna/
https://www.neb.com/tools-and-resources/feature-articles/crispr-cas9-and-targeted-genome-editing-a-new-era-in-molecular-biology

segunda-feira, maio 18, 2015

NADH, FADH2 e NADPH - Coenzimas do metabolismo energético


Coenzimas importantes envolvidas nas reações de oxidação-redução dos processos do metabolismo energético.

Maximiliano Mendes 
Essa postagem é um complemento aos outros materiais que já disponibilizei sobre o assunto, aqui nesse blog e no Youtube:


Além da Coenzima A mencionada, há outras coenzimas importantes envolvidas nos processos do metabolismo energético e, dependendo da forma como o seu professor ensina e cobra esse conteúdo, é bom que você tenha uma noção sobre algumas delas. Essas coenzimas são responsáveis por captar os elétrons de alta energia liberados nas reações de oxidação (são reduzidas). Depois, elas transferem esses elétrons de alta energia (sofrem oxidação) para outras substâncias, como as bombas de íons H+ localizadas nas membranas internas das mitocôndrias e enzimas do ciclo de Calvin-Benson na fotossíntese. São elas:

NAD – Dinucleotídeo de nicotinamida e adenina.

NAD+ + H+ + 2 e- -> NADH (forma reduzida).

O NADH transfere os elétrons de alta energia e, com isso, energia, para o primeiro dos três complexos proteicos localizados na membrana interna das mitocôndrias, responsável por bombear H+ para o espaço intermembranar.

Quantidades geradas por molécula de glicose:

Glicólise: dois.
Formação de acetil-CoA: dois.
Ciclo de Krebs: seis.

Para cada NADH, estima-se que podem ser gerados três ATPs na fosforilação oxidativa.

FAD – Dinucleotídeo de flavina e adenina.

FAD + 2H+ + 2 e- -> FADH2 (forma reduzida).

Os elétrons de alta energia do FADH2 serão transferidos para o segundo complexo proteico bombeador de íons H+ nas membranas internas das mitocôndrias. Assim, ao contrário dos elétrons fornecidos pelo NADH, que passam pelas três bombas de H+, os do FADH2 passam por duas. Por isso, às vezes se lê que os elétrons do FADH2 têm menos energia ou algo do tipo.

Quantidades geradas por molécula de glicose:

Ciclo de Krebs: dois.

Para cada FADH2, estima-se que podem ser gerados dois ATPs na fosforilação oxidativa.

NADP – Dinucleotídeo de adenina e nicotinamida fosfato.

NADP+ + H+ + 2 e- -> NADPH (forma reduzida).

Os elétrons de alta energia do NADPH serão utilizados por enzimas que fazem parte do ciclo de Calvin-Benson (ciclo das pentoses) na fase de fixação do carbono da fotossíntese (“fase escura”).

Quantidades geradas:

Fase clara da fotossíntese: a quantidade gerada depende de diversos fatores, como a intensidade luminosa. De qualquer forma, para ter uma noção, uma equação simplificada e balanceada da fase clara pode ser a seguinte:

2 H2O + 2 NADP+ + 3 ADP + 3 Pi + energia luminosa -> 2 NADPH + 2 H+ + 3 ATP + O2

Equações simplificadas:

Para constar, eis aqui as equações simplificadas dos processos:

Respiração celular:
C6H12O6 + 6 O2 -> 6 CO2 + 6 H2O + Energia

Glicólise:
Glicose (C6H12O6) + 2 NAD+ + 2 ADP + 2 Pi -> 2 Piruvato (C3H4O3) + 2 NADH + 2 H+ + 2 ATP + 2 H2O

Formação de Acetil Coenzima A:
Piruvato (C3H3O3-) + NAD+ + Coenzima A -> CO2 + NADH + H+ + Acetil (C2H3O)-Coenzima A

Ciclo de Krebs (ou do ácido cítrico):
Acetil-Coa + Oxaloacetato (C4H2O5-2) + 3 NAD+ + GDP + Pi + FAD + H2O -> Oxaloacetato + 3 NADH + FADH2 + GTP + 2 CO2

Fermentação alcoólica:
Piruvato + NADH -> CO2 + Etanol +NAD+
Lembrar que, para cada molécula de glicose, a glicólise gera duas moléculas de ácido pirúvico e duas de ATP.

Fermentação láctica após a glicólise:
Piruvato + NADH -> Lactato + 2 NAD+
Lembrar que, para cada molécula de glicose, a glicólise gera duas moléculas de ácido pirúvico e duas de ATP.

Fotossíntese:
6 CO2 + 6 H2O + Energia luminosa -> C6H12O6 + 6 O2

Fase clara ou etapa fotoquímica:
2 H2O + 2 NADP+ + 3 ADP + 3 Pi + energia luminosa -> 2 NADPH + 2 H+ + 3 ATP + O2

Fase escura, ou fase de fixação do carbono:
3 CO2 + 9 ATP + 6 NADPH -> C3H7O3-fosfato (gliceraldeído-3-fosfato) + 9 ADP + 8 Pi + 6 NADP+

Vídeo legal sobre o ciclo de Calvin:
(Tem legendas em língua portuguesa).

Também para constar, aqui vão duas figuras das cadeias de transporte de elétrons e fosforilações oxidativas, a da respiração/mitocondrial em cima e a da fotossíntese/cloroplastos em baixo:





Referências:

Campbell, Reece et al. Biologia. 8ª Ed. Artmed. 2010.
Voet & Voet. Bioquímica. 4ª Ed. Artmed. 2013.
Nelson & Cox. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6ª Ed. Artmed. 2014.
http://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/
Wikipédia em língua inglesa

Gostou? Achou útil? Quer me ajudar? Clique nos anúncios e ajude a divulgar.