FERMENTAÇÃO
Maximiliano Mendes
A fermentação é um processo de geração de energia no qual ocorre
a oxidação incompleta da
glicose, em contraposição à oxidação completa que ocorre na respiração celular.
Logo, na fermentação, nem todas as ligações covalentes entre os átomos de
carbono serão rompidas, haverá menos elétrons de alta energia sendo liberados
e, assim, esse processo libera menos energia que a respiração celular (energia potencial
química que será armazenada nas ligações entre os grupos fosfato do ATP).
Quando ocorre?
Normalmente o processo ocorre associado às condições anaeróbias (ausência
de O2). Como exemplo: as nossas células musculares, caso não recebam
O2, podem gerar energia via fermentação láctica. Algumas amebas que vivem em ambientes anaeróbicos ou com baixas concentrações de oxigênio não apresentam mitocôndrias. Como exemplos temos a Pelomyxa palustres e a Entamoeba histolytica (a causadora da disenteria amebiana).
Podemos, nesse âmbito, classificar os organismos em dois tipos:
Anaeróbios facultativos: podem viver na presença ou na ausência de
O2. Ex: a bactéria Escherichia coli e a
levedura Saccharomyces cerevisiae. Se houver O2 disponível
no meio a produção de energia se dá via respiração, caso não, a produção ocorre
por fermentação. Podemos considerar que as nossas células musculares se
comportam de maneira similar aos organismos anaeróbios facultativos.
Anaeróbios obrigatórios: só conseguem viver na ausência de O2,
pois o O2 é tóxico para esses organismos. Ex: Clostridium
tetani, a bactéria causadora do tétano. Lembrar que o oxigênio molecular
pode gerar espécies reativas de oxigênio, que por sua vez podem causar danos ao
DNA.
A respiração celular, ao contrário, é um processo aeróbio, só
acontece na presença de O2.
OBS: quando nos referimos à respiração celular, normalmente estamos falando da
respiração aeróbica, a qual tem o O2 como aceptor final de
elétrons da cadeia de transporte de elétrons. Porém, alguns organismos são
capazes de efetuar um processo de respiração anaeróbica! Nesses casos, a
diferença é que se utiliza outro aceptor final para a cadeia de transporte de
elétrons. Por exemplo, sulfobactérias marinhas, redutoras de sulfato, que vivem
em ambientes anaeróbicos, utilizam o SO4-2 como
aceptor final de elétrons da cadeia de transporte de elétrons.
No que consiste?
Em resumo, se não há oxigênio, ou mitocôndrias, ou a maquinaria
celular necessária para realizar a respiração, o organismo ou a célula poderá
produzir ATP via glicólise. Porém, na glicólise são produzidas apenas duas
moléculas de ATP para cada molécula de glicose e isso pode não ser o bastante para manter um organismo
funcionando.
Tanto a glicólise quanto os outros processos do metabolismo
energético consistem em uma série de reações de oxidação-redução. Nessas
reações, umas substâncias perdem elétrons e hidrogênios, as que são oxidadas, e
outras ganham, as que são reduzidas. “Oxidar é dar elétrons e reduzir é
adquirir”.
De forma geral, a quebra das ligações covalentes entre os átomos
de carbono libera elétrons de alta energia (oxidação) que são captados por
certas coenzimas. No caso da glicólise, a coenzima de interesse é o
dinucleotídeo de nicotinamida e adenina NAD+, que capta elétrons de
alta energia provenientes das reações redox que ocorrem durante a glicólise:
Na cadeia de transporte de elétrons da respiração, o aceptor final
de elétrons é o O2 e esse processo ocorre após a oxidação
completa da glicose. Já na fermentação, o aceptor final de elétrons são
moléculas orgânicas: o próprio piruvato, na fermentação láctica e o
acetaldeído, na fermentação alcoólica. As reações que ocorrem após a glicólise
convertem os piruvatos nessas outras substâncias utilizando os NADH gerados na
glicólise e regenerando NAD+ rapidamente para que possam participar das reações de oxidação-redução da glicólise. Já no caso da
respiração, a regeneração de NAD+ só ocorre após a
transferência de elétrons de alta energia do NADH para as bombas proteicas de H+ da
cadeia de transporte de elétrons. Por isso é que o consumo de glicose pode
aumentar na fermentação: O NAD+ é regenerado mais rapidamente
de forma a promover a manutenção do processo e a geração de energia.
Veja as figuras:
Fermentação alcoólica:
Fermentação láctica:
Como os piruvatos não geram acetil-CoA e não ocorre ciclo de
Krebs, não há oxidação completa, ou seja, nem todas as ligações covalentes
entre os átomos de carbono da glicose são quebradas, e, por isso, a geração de
energia, ou de ATP, é menor: dois na fermentação vs. 30 na respiração aeróbia.
Exemplos de fermentação:
Veremos aqui apenas os dois tipos básicos já mencionados, a
láctica e a alcoólica.
Na fermentação alcoólica, são gerados etanol (um álcool) e CO2 a
partir de cada molécula de ácido pirúvico. O etanol tem apenas dois átomos de
carbono, um terceiro, do piruvato, é perdido como CO2. Associaremos
esse processo às leveduras (Reino Fungi), porém, há bactérias também capazes de realizá-lo. Como exemplos de aplicações nas quais esse processo está envolvido
temos:
Produção de bebidas alcoólicas, tendo em vista que o processo gera
etanol. As diferentes bebidas alcoólicas são geradas a partir da atividade das
leveduras Saccharomyces cerevisiae, que se utilizam da glicose
presente em certos alimentos para gerar energia via fermentação. Daí são
geradas as diversas bebidas alcoólicas, como o vinho (fermentação do suco de
uva), cerveja (do malte, oriundo da cevada), saquê (arroz) e etc.
Produção do álcool combustível, no qual as leveduras atuarão sobre
o melaço da cana de açúcar.
Na fermentação láctica, os piruvatos (ou ácidos pirúvicos) são
convertidos em ácido láctico, moléculas que também têm três átomos de carbono.
Associaremos esse processo às bactérias (como os lactobacilos) e aos animais.
Como exemplos de aplicações:
Produção de laticínios. Vamos exemplificar com a produção de
iogurtes naturais (coalhadas): bactérias, dentre as quais os lactobacilos que
vivem no leite ou são inoculados a ele, realizam fermentação láctica e liberam
o ácido láctico para o meio. Isso torna a solução mais ácida (diminui o pH), o
que causa a desnaturação de proteínas como a caseína do leite. As proteínas desnaturadas se entrelaçam formando uma massa coagulada: a coalhada. Esses
leites fermentados do tipo Yakult e Chamyto contêm lactobacilos capazes de
tornar o meio intestinal menos alcalino, devido à liberação do ácido láctico, e
isso dificulta a multiplicação de micro-organismos potencialmente danosos.
Outros aspectos relacionados à fermentação láctica (ou não...):
Dores musculares após esforços intensos: em atividades físicas muito intensas a frequência cardíaca
aumenta a fim de transportar O2 mais rápido para as células
musculares (e eliminar CO2). Porém, o coração não consegue se
contrair numa frequência rápida o suficiente para levar O2 em
quantidade suficiente para todas as células musculares. Assim, aquelas que não
recebem têm de gerar energia via fermentação láctica e esse processo pode ser
mantido por aproximadamente três minutos. Durante esse tipo de atividade se tem
uma sensação de queimação nos músculos, que pode doer, mas não persiste. A dor
que incomoda normalmente vem no dia seguinte.
Até pouco tempo atrás se acreditava que as dores musculares mais
fortes eram devidas ao acúmulo de ácido láctico, por causar acidose, porém,
hoje já se sabe que, na verdade as dores são acarretadas por microlesões nas
fibras musculares e substâncias inflamatórias.
“Dor de viado”,
ou melhor – dor abdominal passageira relacionada ao exercício (exercise
related transient abdominal pain): muitas vezes associada ao acúmulo de
ácido láctico no fígado. Se você buscar informações sobre essa dor aqui na
internet verá muitas explicações distintas, porém, a melhor parece ser a de que
essa dor, mais comum em atividades que envolvem movimentos repetitivos do
tronco e que pode ser acentuada pelo período pós prandial (período após as
refeições) seja causada por irritação do peritônio parietal. Esse peritônio
parietal é uma membrana serosa que reveste a cavidade abdominal (celoma).
Membranas serosas são constituídas de um tecido epitelial pavimentoso simples
acima de um tecido conjuntivo fino. Talvez haja aumento de pressão no peritônio
causado pela fricção resultante dos movimentos do tórax.
O ácido lático resultante da fermentação nas nossas células
musculares tem dois destinos principais: ou ele pode ser usado na neoglicogênese,
em células do fígado, para gerar glicose, em uma via chamada de ciclo de Cori,
ou então, ele pode ser reoxidado a piruvato em células que tenham O2 disponível.
Esses piruvatos podem então ser usados para gerar Acetil-Coenzima A.
Por último é bom destacar que, nessas situações de breves
explosões musculares, além da fermentação láctica, também há geração de ATP a
partir da transferência de grupos fosfato da creatina fosfato para o ADP:
ADP + Creatina-Fosfato <- -> ATP + Creatina
A reação é reversível e catalisada pela enzima creatina cinase. No
início de uma atividade intensa as células musculares utilizam o estoque de ATP
disponível, seguindo a atividade, de 10 s até aproximadamente 30 s, as
células geram ATP primordialmente pela fosforilação via creatina-fosfato. Daí, até três minutos, a maior parte da energia é gerada via fermentação láctica.
Lembre-se: estamos falando de uma atividade física intensa, os movimentos
musculares são rápidos e fortes.
Veja também:
Alberts et al. Molecular Biology of the Cell.
5th ed. Garland. 2008.
Amabis & Martho. Biologia das Células. Moderna.
2010.
Campbell, Reece et al. Biologia. 8ª Ed.
Artmed. 2010.
Catani et al. Ser Protagonista – Biologia –
Vol. 1. Edições SM. 2009.
Feltre. Fundamentos da Química – Volume Único.
Moderna. 2001.
Junqueira & Carneiro. Histologia Básica. 10ª
Ed. Guanabara-Koogan. 2004.
Morton, DP. Exercise Related Transient Abdominal Pain. Br
J Sports Med. 37. pp: 287-288.
Robergs, R. Guiasvand, F. & Parker, D. Biochemistry of
Exercise-Induced Metabolic Acidosis. Am J Physiol Regul Integr Comp
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Na internet: