OS LIPÍDIOS
Maximiliano Mendes
Os lipídios constituem um
grupo diverso de moléculas orgânicas com várias funções, estruturas e cuja característica principal é o fato de serem
hidrofóbicas, ou seja, têm pouca afinidade pela água e são pouco solúveis em
água. Também não formam polímeros. É importante destacar de imediato que o consumo de lipídios em excesso
pode desencadear problemas de saúde como a obesidade e a aterosclerose, um tipo
de arteriosclerose (perda da elasticidade dos vasos sanguíneos) graças ao acúmulo
de lipídios nos vasos sanguíneos. Além disso, a aterosclerose também constitui fator de risco para os acidentes vasculares cerebrais - AVC (outros fatores, como a hipertensão, que costumam aparecer juntos à aterosclerose, também são considerados fatores de risco para os AVCs).
Os principais tipos de
lipídeos e as suas funções são:
1. Glicerídios: constituídos de um álcool, o glicerol,
ao qual se ligam ácidos graxos. Os ácidos graxos são moléculas de cadeias carbônicas longas
que fazem parte de vários tipos de lipídios. Inclusive, quando se fala em "gorduras saturadas" e "gorduras trans", os termos se referem aos ácidos graxos constituintes dos lipídeos. Os ácidos graxos podem ser classificados como:
A. Saturados: estão saturados de hidrogênios ligados
aos átomos de carbono, por isso, só têm ligações covalentes simples entre os
átomos de carbono. As moléculas não apresentam curvatura.
B. Insaturados: não têm o máximo de átomos de
hidrogênios ligados em alguns de seus átomos de carbono, e, assim, apresentam
uma ou mais ligações covalentes duplas na cadeia carbônica (sequência de átomos de carbono
ligados).
Note também que, dependendo
da forma como os átomos de hidrogênio estão ligados nos carbonos da ligação
dupla, a molécula pode ser curvada ou reta:
A. Configuração cis: átomos
de hidrogênio do mesmo lado. Promove a curvatura da cadeia carbônica.
B. Configuração trans:
átomos de hidrogênio em lados opostos. Não promove a curvatura da cadeia
carbônica.
Mais adiante nesse texto voltaremos a mencionar os ácidos graxos.
Os glicerídios mais
importantes são os triglicerídios, cujas moléculas têm três ácidos graxos
ligados ao glicerol. Normalmente, os triglicerídios com ácidos graxos de
cadeias insaturadas, ou seja, apresentando duplas ligações na cadeia carbônica,
são os óleos, líquidos em
temperatura ambiente, pois a dupla ligação causa uma curvatura na cadeia
carbônica, impedindo-os de serem empacotados próximos uns dos outros ao ponto
de solidificarem. Em contrapartida, normalmente, os que possuem ácidos graxos de cadeias saturadas, cujas moléculas não apresentam curvatura e, por isso, podem ser empacotados de maneira mais densa, são as gorduras, sólidas
em temperatura ambiente.
Outro ponto importante a
ser destacado sobre os lipídios contendo ácidos graxos saturados e insaturados, mais especificamente os cis, é o
de que os insaturados fazem menos mal à saúde, aparentemente devido ao fato de
que não podem ser organizados de forma tão compactada como os saturados,
dificultando a formação de coágulos. Também é possível que o fato de terem uma
dupla ligação na cadeia os torne mais reativos e suscetíveis à ação
enzimática. Boas fontes de ácidos graxos insaturados são o azeite, o salmão, a
castanha-do-Pará e o abacate.
A maior parte dos ácidos graxos insaturados trans que ingerimos é gerada pelo processo industrial de hidrogenação parcial, que promove a ligação de átomos de hidrogênio nas moléculas de ácidos graxos
insaturados cis e isso tende a
linearizá-las, pois várias das ligações duplas entre os carbonos serão
convertidas em ligações simples ou passarão da configuração cis para a trans. Durante a produção das margarinas há o emprego do processo de hidrogenação. Os
produtos resultantes são as chamadas "gorduras trans" (na verdade, ácidos graxos trans, que comporão os lipídeos), de má fama, pois, caso consumidos em excesso, podem gerar problemas de saúde. Porém, nos alimentos, atuam conservando o gosto. Há
poucos ácidos graxos trans de ocorrência natural.
Como funções dos
glicerídios, mais especificamente dos triglicerídeos, podemos destacar:
A. Constituem reserva energética para os momentos de necessidade,
pois essas moléculas podem ser quebradas/degradadas em reações catabólicas para
liberar energia. Exemplos desses momentos de necessidade podem ser longos períodos de pouca disponibilidade de alimentos (imagine os seres humanos primitivos em um inverno rigoroso) ou atividades físicas de longa duração. Estima-se que 1 g de gordura armazene o dobro de
energia que 1 g de um polissacarídeo como o amido.
B. Isolante térmico (pois os lipídeos estão presentes no tecido adiposo dos animais).
C. São necessários na absorção de vitaminas lipossolúveis
(K, A, D e E).
D. Envolvidos na construção das membranas biológicas.
E. Requeridos na síntese das prostaglandinas, substâncias
envolvidas em diversos processos, como a agregação plaquetária, inflamações e
contração da musculatura lisa.
2. Ceras: constituídas de um álcool (que não o
glicerol!) ao qual se ligam moléculas de ácidos graxos. Dentre as suas funções
podemos destacar a impermeabilização das folhas das plantas, prevenindo a perda excessiva
de água. Um bom exemplo é a nossa cera de carnaúba. Também fazem parte da
estrutura das colmeias das abelhas.
3. Carotenoides: pigmentos avermelhados presentes nas
células das plantas, envolvidos no processo fotossintético. O β-caroteno,
presente nas cenouras, pode ser clivado/quebrado em duas moléculas de vitamina A, o
retinol, fundamental para o processo da visão. Pigmentos são moléculas capazes
de captar certos comprimentos de onda da luz e refletir ou transmitir luz de
cor diferente.
4. Fosfolipídios: são os principais componentes das
membranas biológicas, geralmente constituídos de uma molécula de glicerol
ligada a dois ácidos graxos e um grupo fosfato. Sendo assim, a molécula possui
uma porção carregada (o grupo fosfato), portanto hidrofílica, e uma porção não
carregada (os ácidos graxos), hidrofóbica. Devido à sua estrutura, os
fosfolipídios são capazes de formar bicamadas lipídicas como as membranas
biológicas. Moléculas que possuem uma porção hidrofílica e uma hidrofóbica são
denominadas anfipáticas.
5. Esteroides: são moléculas de estrutura distinta
das duas anteriores, constituídas de anéis carbônicos. Um esteroide bastante
importante é o colesterol, molécula componente das membranas biológicas, nas
quais tem as funções de regulagem da fluidez e também as tornam mais rígidas (as regiões contendo mais colesterol são menos fluídas). Também são utilizados como precursores na síntese dos chamados hormônios esteroides, como a testosterona, os glicocorticoides, o estrógeno, a progesterona e na síntese de ácidos biliares.
Observação: as plantas não produzem esse colesterol que estamos mencionando em quantidades nutricionalmente significativas. Por isso, muitas vezes se menciona que elas não produzem colesterol e que os alimentos de origem vegetal são livres dessa substância. Não obstante, elas produzem outros esteroides: os fitoesterois, como o estigmasterol e o beta-sitosterol, que podem, inclusive, reduzir a absorção de colesterol e reduzir os níveis do chamado colesterol ruim, o LDL, no sangue. Veremos em seguida o que é isso.
Modelo de molécula de colesterol. No canto esquerdo há um grupo hidroxila (H-O-), polar/hidrofílico, por isso, o colesterol também pode ser considerado uma molécula anfipática.
E sobre os chamados colesterol bom e
ruim?
A maior parte do colesterol é sintetizado no fígado e as moléculas de colesterol, triglicerídeos e fosfolipídios podem ser transportadas no sangue associadas a certas
proteínas. Ao conjunto lipídios mais proteínas, damos o nome de lipoproteínas. Essas partículas lipoproteicas são importantes, tendo em vista que os lipídeos são hidrofóbicos, daí a necessidade de se associarem a proteínas (chamadas apolipoproteínas) para que possam ser transportados. Destacaremos aqui as LDL, lipoproteínas de baixa densidade
(low density lipoprotein) e as HDL, lipoproteínas de alta densidade (high density lipoprotein).
Quilomícron: um tipo de lipoproteína.
Ambas podem transportar o colesterol (com destinos diferentes), os triglicerídeos e os fosfolipídeos, todavia, a LDL
transporta principalmente colesterol para as células do corpo, ao passo que a
HDL transporta principalmente fosfolipídios, e em menor quantidade, colesterol,
mas para ser eliminado no fígado pela bile.
A figura abaixo resume o transporte de colesterol mediado por lipoproteínas:
A LDL é às vezes chamada de “colesterol ruim”, pois o consumo elevado de colesterol pode promover a diminuição da captação das LDL pelas células e isso, por sua vez, pode promover o aumento da deposição de lipídios nos vasos, e daí advêm doenças como a aterosclerose.
Em contrapartida, o consumo de óleos vegetais insaturados como os presentes no azeite (lembre-se que "gorduras insaturadas" são aquelas que apresentam dupla ligação entre átomos de carbono na cadeia carbônica, tornando as moléculas mais reativas), promove o aumento da produção de HDL, o que por sua vez, promove a eliminação de colesterol.
Foto mostrando parte de um painel em um posto de saúde no Distrito Federal.
A figura abaixo resume o transporte de colesterol mediado por lipoproteínas:
E sobre os ácidos graxos ômega-3 e ômega-6?
Outros termos relacionados aos lipídeos que aparecem nas notícias sobre saúde são as chamadas gorduras ômega-3 e ômega-6. Esses números 3 e 6 têm a ver com a posição da primeira ligação covalente dupla em relação ao carbono numerado partindo da extremidade oposta ao do grupo ácido carboxílico do ácido graxo. Veja a imagem a seguir:
O motivo é que um ômega-3 e um ômega-6 essenciais, ou seja, que devem ser ingeridos, competem por uma mesma enzima em uma via metabólica, de maneira que a ingestão em excesso dos ômega-6 podem prejudicar as vias metabólicas benéficas envolvendo os ômega-3. O que não quer dizer que a ingestão de ômega-6 é prejudicial, pois acredita-se que eles estejam envolvidos na diminuição dos níveis de LDL no sangue.
Logo, é importante ingerir quantidades adequadas de ácidos graxos ômega-3 e 6. Aparentemente a recomendação é que a ingestão de ômega-3 deve ser maior que a ingestão de ômega-6. Os ômega-3 podem ser obtidos em peixes, como a sardinha e o salmão, além das sementes de linhaça e chia. Já os ômega-6 podem ser obtidos em óleos vegetais como o de milho e o de soja e também em carnes e na gema dos ovos.
Veja também:
http://ed.ted.com/lessons/why-don-t-oil-and-water-mix-john-pollard
(Tem legendas em língua portuguesa).
Veja também:
http://ed.ted.com/lessons/why-don-t-oil-and-water-mix-john-pollard
(Tem legendas em língua portuguesa).
Referências:
Amabis & Martho. Biologia
das Células. Moderna. 2010.
Campbell, Reece et al. Biologia.
8ª ed. Artmed. 2010.
Dijkstra, Hamilton & Hamm (Eds). Trans Fatty Acids. Blackwell Publishing.
2008.
Voet & Voet. Bioquímica. 4ª ed. Artmed. 2013.
Nelson & Cox. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6ª ed. Artmed. 2013.
Voet & Voet. Bioquímica. 4ª ed. Artmed. 2013.
Nelson & Cox. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6ª ed. Artmed. 2013.
http://en.wikipedia.org/wiki/Atherosclerosis.
http://en.wikipedia.org/wiki/Trans_fat.
http://en.wikipedia.org/wiki/Pigment.
http://www.nytimes.com/imagepages/2007/08/01/health/adam/19279HDLandLDL.html.
http://www.nhlbi.nih.gov/health/dci/Diseases/Atherosclerosis/Atherosclerosis_WhatIs.html.
http://www.webmd.com/cholesterol-management/features/low-cholesterol-diet-plant-sterols-stanols.
http://www.unileverhealthinstitute.com.br/artigo/fitoesterois-o-que-sao-e-como-funcionam.
https://en.wikipedia.org/wiki/Lipoprotein.
https://chemistry.osu.edu/~gopalan.5/file/7B.PDF
https://www.einstein.br/doencas-sintomas/avc/avc-isquemico
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https://www.eufic.org/en/whats-in-food/article/the-importance-of-omega-3-and-omega-6-fatty-acids
https://blog.nutrify.com.br/omega-3-6-9-diferencas-e-beneficios#:~:text=%C3%94mega%203%3A%20sardinha%2C%20salm%C3%A3o%2C,associado%20a%20preven%C3%A7%C3%A3o%20de%20doen%C3%A7as.
https://www.ecycle.com.br/alimentos-ricos-em-omega-3/